A formiga
Eu era muito pequena para lembrar exatamente quando essa voz tomou conta de mim, só lembro da constante sensação de agonia em meu ouvido, um formigamento, eu ouvia coisas ruins que iam e vinham, uma criança de oito a dez anos não entenderia isso. Era uma voz, e ela dizia coisas como: “você não consegue”, “não faça isso”, e tinha dias que eu passava o dia inteiro na cama, conversando com essa voz.
- É bom aqui. - Dizia a voz.
- É mesmo. Deveríamos fazer isso mais vezes. - Eu respondia. E o conforto ia se estabelecendo, na medida que eu perdia as forças, a vontade, a fome… E essa voz era de uma formiga, uma mera formiguinha, uma mera formiguinha fazia com que eu passasse os meus dias na cama, ou procurando maneiras de tirar esse incômodo de meu ouvido, mas nada adiantava. Como eu tiraria esse peso tão grande, causado por uma coisa minúscula?
Até que um dia, cansei. Cansei de tudo isso, perguntei à formiguinha:
- Por que você não me deixa em paz? Eu perdi diversas oportunidades por sua causa, você vem arruinando a minha vida há dez anos.
- Serena, vou te falar a verdade. - Respondeu a formiga, que já estava ao meu lado há tanto tempo que já me chamava pelo nome, e me tratava como amiga, que amizade tóxica seria.
- Você precisa encontrar sua paz interior.
Desde aquele dia, não parei de pensar naquilo, minha paz interior? O que seria a minha paz interior? Seria essa só mais uma maneira de me torturar? Perguntei à minha amiga:
- Leila, o que seria a paz interior? Como faço para me livrar dessa formiga?
- Serena, não leve as coisas tão a sério, repare ao seu redor, todos temos formiguinhas.
A partir daquele dia, comecei a reparar ao meu redor, então entendi. O que seria uma mera formiguinha comparada à imensidão de meu ser? Aceitei as minhas formiguinhas e entendi o que era a paz interior. Então perguntei à formiguinha.
- Agora entendi que você não vai embora. Por que você nunca me contou tudo isso antes?
- Porque você nunca perguntou.
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